terça-feira, 26 de abril de 2016

AGORA MESMO





 Está gente a morrer agora mesmo em qualquer lado
 Está gente a morrer e nós também

 Está gente a despedir-se sem saber que para Sempre
 Este som já passou Este gesto também

 Ninguém se banha duas vezes no mesmo instante Tu próprio te despedes de ti próprio Não és o mesmo que escreveu o verso atrás
 Já estás diferente neste verso e vais com ele

 Os amantes agarram-se desesperadamente
 Eis como se beijam e mordem e por vezes choram

 Mais do que ninguém eles sabem que estão a [despedir-se
 A Terra gira e nós também
 A Terra morre e nós Também

 Não é possível parar o turbilhão Há um ciclone invisível em cada instante Os pássaros voam sobre a própria despedida As folhas vão-se e nós Também

 Não é vento
 É movimento fluir do tempo amor e morte

 Agora mesmo e para todo o sempre
 Amen...

   Manuel Alegre, in "Chegar Aqui" //


Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde foi um activo dirigente estudantil. Apoiou a candidatura do General Humberto Delgado. Foi fundador do CITAC – Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, membro do TEUC – Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, campeão nacional de natação e atleta internacional da Associação Académica de Coimbra. Dirigiu o jornal A Briosa, foi redactor da revista Vértice e colaborador de Via Latina.
A sua tomada de posição sobre a ditadura e a guerra colonial levam o regime de Salazar a chamá-lo para o serviço militar em 1961, sendo colocado nos Açores, onde tenta uma ocupação da ilha de S. Miguel, com Melo Antunes. Em 1962 é mobilizado para Angola, onde dirige uma tentativa pioneira de revolta militar. É preso pela PIDE em Luanda, em 1963, durante 6 meses. Na cadeia conhece escritores angolanos como Luandino Vieira, António Jacinto e António Cardoso. Colocado com residência fixa em Coimbra, acaba por passar à clandestinidade e sair para o exílio em 1964.
Passa dez anos exilado em Argel, onde é dirigente da Frente Patriótica de Libertação Nacional. Aos microfones da emissora A Voz da Liberdade, a sua voz converte-se num símbolo de resistência e liberdade. Entretanto, os seus dois primeiros livros, Praça da Canção(1965) e O Canto e as Armas (1967) são apreendidos pela censura, mas passam de mão em mão em cópias clandestinas, manuscritas ou dactilografadas. Poemas seus, cantados, entre outros, por Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e Luís Cília, tornam-se emblemáticos da luta pela liberdade. Regressa finalmente a Portugal em 2 de Maio de 1974, dias após o 25 de Abril.

O Prémio Vida Literária 2015/1016 é entregue no dia 25 de Abril, ao escritor Manuel Alegre, em Lisboa pela Associação Portuguesa de Escritores (APE), que instituiu o galardão. 


Acho que foi em data  oportuna visto que Manuel Alegre muito lutou  para que a ditadura acabasse.

Emília Pinto



segunda-feira, 18 de abril de 2016

TELHA DE VIDRO




Quando a moça da cidade chegou veio morar na fazenda, na casa velha... Tão velha! Quem fez aquela casa foi o bisavô..
 Deram-lhe para dormir a camarinha, uma alcova sem luzes, tão escura  mergulhada na tristura de sua treva e de sua única portinha...
 A moça não disse nada, mas mandou buscar na cidade uma telha de vidro... Queria que ficasse iluminada sua camarinha sem claridade...
 Agora, o quarto onde ela mora é o quarto mais alegre da fazenda, tão claro que, ao meio dia, aparece uma renda de arabesco de sol nos ladrilhos vermelhos, que — coitados — tão velhos só hoje é que conhecem a luz do dia...
 A luz branca e fria também se mete às vezes pelo clarão da telha milagrosa... Ou alguma estrela audaciosa careteia no espelho onde a moça se penteia.
 Que linda camarinha! Era tão feia!
 Você me disse um dia que sua vida era toda escuridão cinzenta, fria, sem um luar, sem um clarão... Por que você na experimenta?
 A moça foi tão bem sucedida...
 Ponha uma telha de vidro em sua vida!

RAQUEL DE QUEIROZ.....

nasceu em Fortaleza-Ceará, em 17 de novembro de 1910 e faleceu no Rio de Janeiro em 4 de novembro de 2003. Foi eleita para a Academia Brasileira de Letras em 4 de agosto de 1977 e recebida em 4 de novembro de 1977 pelo acadêmico Adonias Filho. Filha de Daniel de Queiroz e de Clotilde Franklin de Queiroz, descendia, pelo lado materno, da estirpe dos Alencar, parente portanto do autor ilustre de "O Guarani", e, pelo lado paterno, dos Queiroz, família de raízes profundamente lançadas no Quixadá e Beberibe. Em 1917, veio para o Rio de Janeiro, em companhia dos pais que procuravam, nessa migração, fugir dos horrores da terrível seca de 1915, que mais tarde a romancista iria aproveitar como tema de O quinze, seu livro de estréia. No Rio, a família Queiroz pouco se demorou, viajando logo a seguir para Belém do Pará, onde residiu por dois anos. Em 1919, regressou a Fortaleza e, em 1921, matriculou-se no Colégio da Imaculada Conceição, onde fez o curso normal, diplomando-se em 1925, aos 15 anos de idade. Estreou em 1927, com o pseudônimo de Rita de Queiroz, publicando trabalho no jornal O Ceará, de que se tornou afinal redatora efetiva. Em fins de 1930, publicou o romance O quinze, que teve inesperada e funda repercussão no Rio de em São Paulo. Com vinte anos apenas, projetava-se na vida literária do país, agitando a bandeira do romance de fundo social, profundamente realista na sua dramática exposição da luta secular de um povo contra a miséria e a seca.

Tinha-me esquecido por completo desta nossa ( lembrem-se...E o Brasil meu também...) escritora Raquel de Queiroz. No mais recente post da nossa amiga Lúcia,do  Cadeirinhade Arruar ela é citada e isso me levou a homenageá-la aqui no Começar de Novo,com este poema que adorei e que,  com certeza, os meus amigos também vão apreciar. Obrigada, Lúcia

Emília Pinto

sexta-feira, 8 de abril de 2016

A REGRA....






.... Fundamental de Vida


Quando nós dizemos o bem, ou o mal... há uma série de pequenos satélites desses grandes planetas  e que são a pequena bondade, a pequena maldade, a pequena inveja, a pequena dedicação... No fundo é disso que se faz a vida das pessoas, ou seja, de fraquezas, de debilidades... Por outro lado, para as pessoas para quem isto tem alguma importância, é importante ter como regra fundamental de vida não fazer mal a outrem. A partir do momento em que tenhamos a preocupação de respeitar esta simples regra de convivência humana, não vale a pena perdermo-nos em grandes filosofias sobre o bem e sobre o mal. «Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti» parece um ponto de vista egoísta, mas é o único do género por onde se chega não ao egoísmo mas à relação humana.


 José Saramago, in "Revista Diário da Madeira, Junho 1994"


Gostaria de vos contar um GRANDE PORMENOR que guardei até hoje e que aconteceu quando eu tinha 15 anos de idade. Estava internada num colégio de freiras e um dia o padre que nos ensinava religião e moral disse: " para se ser santo não é preciso fazer milagres; basta cumprir o nosso dever. " Simples, não é? Tão simples que não esqueci até hoje  e muitas vezes me lembro dessa frase


Este texto de Saramago mais uma vez me fez recordar esse PORMENOR, porque aqui ele nos mostra como seria fácil a convivência humana se soubessemos dar  as mão uns aos outros e ter como lema de vida " NÃO FAZER MAL A OUTREM "


Emília Pinto